sexta-feira, 15 de julho de 2011

SAUDADE DE TUDO QUE AINDA NÃO VIVI...

Eder Muniz/Calangos de Rua
Ao me deparar com o componente curricular Etnolazer, Cultura e Atos de Currículo no conjunto de disciplinas disponíveis para o semestre de 2011.1 surgiu-me várias interrogações. Do que se tratava essa disciplina? Qual o tema central? Quais os seus objetivos? Os dois últimos termos, cultura e atos de currículo, eram conceitos conhecidos para mim desde o início da graduação. Contudo etnolazer era a novidade, o chamariz. Um termo totalmente novo que nem se quer tinha ouvido pronunciar. Assim, me matriculei na disciplina movida pela curiosidade, no sentido de sanar as minhas indagações em torno da temática.

No primeiro dia de aula, a simbologia presente na maneira de vestir e nos demais signos imagéticos presentes na figura do professor Romilson me chamou a atenção por diferir da maioria dos professores da Faculdade de Educação/ UFBA. Admito que em certas ocasiões as aparências possam falsear a realidade e enganar os sentidos. Entretanto os símbolos externos podem sim indicar personalidades. Vi na figura do professor Romilson, ou melhor, do “Romis”, como gosta de ser chamado, um contra hegemônico dentro de uma Universidade majoritariamente tradicional que resiste em contemplar outras formas de conhecimento. Na apresentação da disciplina muitas de minhas indagações começaram a ser esclarecidas.  


As aulas se configuraram como espaço privilegiado de trocas entre os sujeitos aprendentes implicados com a disciplina, ou quando mais, espaço de experiências do lazer, a exemplo da visita ao Solar do Ferrão, a exibição do filme Laranja Mecânica e do documentário Botinada. As Rodas de Conversas foram o ápice da disciplina e contou com a participação do professor Roberto Sidnei, do cordelista e educador Sérgio Bahialista e da educadora Josenilda Débora, integrante do movimento Hip-hop.

Neste período, apesar dos impasses que tive por conta do trabalho/estágio, pude me aproximar dos estudos em torno da inter-relação Etnolazer e Cultura e de como essa fusão pode se transformar em práticas educativas, em atos de currículo, em referencial identitário dentro e fora da escola.

Pude refletir e problematizar a questão da “lazerania”, ou seja, da possibilidade de apropriação do lazer, como um tempo e espaço para a prática da liberdade, para o exercício da cidadania e propriamente do etnolazer, conceito em construção que remete a idéia de um processo formativo de grupos distintos, (grafiteiros, punk’s, grupos de samba de roda, capoeiristas, cordelistas, etc.), que baseados no “ethos” criam estratégias de exercer a lazerania, de expressar suas subjetividades, de exaltar o sentimento de pertencimento étnico, de valorização da ancestralidade. Reinventando o “óbvio”, o racional, extravasando as energias, a insatisfação a rebeldia por meio das artes plásticas, da música, da dança, da coporeidade, substituindo o enrijecimento social, característica própria da cultura européia pela ginga africana, pelo encantamento indígena. Ainda que sem repercussão social, numa mídia suja, hipócrita, que atende, sobretudo aos interesses do capital, sobrevivem grupos de resistência que persistem com suas ideologias batendo de frente com o que é imposto.

Ao longo da disciplina, como fruto das minhas reflexões, cheguei à lamentável conclusão que na conjuntura atual da minha vida falta-me tempo para exercer o meu direito ao lazer enquanto cidadão. Detesto o jargão “Tempo é dinheiro”, porque remete a esse sistema capitalista que exalta valores deturpados. Nessa realidade o SER não faz sentido e me lembra uma frase que vi grafitada em um dos muros da cidade: “Ter ou não ter, eis a questão”. Falta-me tempo para expressar minha subjetividade, de criar e reinventar meu suposto “tempo livre” seguindo as minhas crenças, os meus valores do meu grupo étnico, social, cultural.

Sinto-me lesada por esse sistema econômico cruel, injusto e desigual que define o lazer pleno para os ricos e milionários desse país. Dos que podem fazer altos investimentos financeiros para usufruírem dos bens simbólicos, materiais e naturais, tidos como patrimônio da humanidade. Para a maioria da população sobram as migalhas de um lazer assistencialista, filantrópico, resultado da omissão do governo que se desresponsabiliza frente às questões do lazer, ficando a cargo do terceiro setor, ONGs, dos grupos religiosos e das instituições sindicais. Os chamados, “Lazer Solidário e Lazer Filantrópico”. (MASCARENHAS, 2003).

È preciso aceitar as ricas contribuições das matrizes indígenas e africanas que nos ensinam e propõem outras formas de sociabilidade. È preciso trabalhar com a multirreferencialidade propondo “que a análise se dê a partir de múltiplos sistemas de referência, poesia, arte, política, ética, religião, ciência – igualmente significativos, todos irredutíveis uns aos outros e sem pretensão de síntese, de conhecimento acabado” (FRÓES BURNHAM e FAGUNDES, 2001) nos espaços formativos. Sem dúvida a disciplina Etnolazer, Cultura e Atos de Currículo é uma conquista na FACED/UFBA, nem que seja para causar estranhamento, reflexões, debates, revolta e porque não, mudança de mentalidades. Reconheço as transformações e os avanços por que vem passando a sociedade brasileira em relação à aceitação da diversidade, da pluralidade étnico-cultural e do repensar das condições de igualdades de direito. Mas ainda temos muito que avançar.

A participação da juventude nessa mudança de paradigma social é bastante tímida, como se estivéssemos em um estado de inércia, diferente da década de 80, com a  efervescência do movimento punk, em que as trocas de informações ainda que limitadas, promoveram uma verdadeira revolução. A massificação das tecnologias da comunicação e informação que poderiam se tornar ferramentas poderosas em favor da juventude é muitas vezes alienada e domesticadora. Não sou extremista a fim de não reconhecer a legitimidade dos movimentos que "existem", ou "resistes", em pontos focais. Sou descendente de negros quilombolas e indígenas revoltosos. Em busca do legado, adentro as brechas que me sobram. Ainda bem que moro na Bahia, aqui tem o mar, praia e pôr do sol, mas não é o suficiente. Sinto uma espécie de saudosismo, um  banzo, uma saudade de tudo que ainda não vivi.



Yêda Maria
Graduanda em pedagogia
yeda_mariab@hotmail.com


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